Este é um post de saudades, “saudades sim, tristeza não”, saudades que eu sinto mais nos meses de abril e outubro, meses de chegada e partida do primeiro anjo que conheci nessa vida. E às vésperas do aniversário da partida da minha vó, ouvi falar de um cara que disse nunca ter conhecido uma mulher melhor que ele... Coitado...
Só pelo discurso percebi que o cara ou é cego (mentalmente) ou nunca conheceu uma mulher como a minha avó, como aquelas que saíram do ventre dela, ou ainda como as que saíram do ventre das que saíram do ventre dela...
Cinco minutos depois de ouvir a história, tive a certeza da cegueira mental do sujeito, porque me toquei que a história era contada por uma amiga minha, que não só é uma pessoa melhor do que ele como é uma pessoa melhor do que a maioria dos homens que eu conheço, e só não digo melhor do que TODOS porque ela é tão boa quanto alguns raros homens humanos e inteligentes que eu conheço ...
Bom, vou deixar o pobre ignorante de lado e falar sobre as mulheres fortes, as mulheres inteligentes, as mulheres que eu amo!
Sim, eu amo muitas mulheres! Um tipo de amor que eu sei que muitos homens não são capazes de experimentar, nem jamais serão... Amar a inteligência de alguém, amar sua capacidade de superar as tragédias da vida, amar seus pequenos gestos, seu jeito de ser, sua singularidade! Amar sem querer nada em troca... Ou querendo apenas a oportunidade de aprender com... Assim eu amo minha amiga que conheceu o infeliz ignorante, assim eu amo minhas amigas todas, assim eu amo minha mãe, assim eu amei e amo minha avó, assim eu amo cada pedacinho de vó que ela plantou nesse mundo... Assim eu amo as mulheres da minha vida!
Minha avó encontrou muitos ignorantes pelo caminho, a começar do meu avô: um bom homem, um ótimo pai mas um péssimo marido. Ela nunca denegriu a imagem dele, sempre exaltou. Porque a minha avó nunca soube guardar rancor, porque a minha avó sabia compreender os outros, porque a minha avó era uma espécie de anjo, destes que visitam a terra muito raramente, assim como a minha amiga que teve o azar de conhecer o cara ignorante citado no post.
Nascida no interior do Mato Grosso do Sul, minha avó casou aos 16 anos, sem saber ao certo o que era casamento. Casou-se, apaixonou-se, teve cinco filhos e soube se dedicar a eles intensamente, bem como se dedicou também às filhas postiças e à filha dita bastarda, mas que ela nunca tratou assim. Viúva ainda jovem, se manteve apaixonada, guardou anos e anos de luto, mas um luto alegre, um luto de mulher forte, um luto que não a impediu de reagir e de mostrar aos filhos e netos a beleza da vida. Mulher de fé, rezava um Pai Nosso para cada componente da família e para cada agregado antes de dormir. Vícios? Talvez a missa e a coca-cola, mas nada que a fizesse menos admirável. Meu tio escreveu em um de seus versos: ela nasceu, viveu e partiu com dignidade; e foi exatamente isso. Minha avó demonstrava em cada dia de sua vida dignidade que um homem como o infeliz citado (lá em cima de post, e não meu tio que obviamente é um dos poucos homens bacaníssimas e inteligentes que eu conheço) provavelmente não é capaz de demonstrar durante a sua vida toda... Assim como minhas amigas, demonstram muito mais dignidade do que homens assim, assim como praticamente todas as mulheres que eu conheço são melhores que homens assim!
Dona Geralda foi traída, sofreu, amou, amou, amou, e foi feliz. Conheci poucas risadas tão gostosas quanto a dela e nunca conheci um olhar tão doce, uma presença tão apaziguadora e nenhum coração mais puro. Dona Geralda amou a vida mesmo quando foi maltratada por ela, e ensinou a muitos patifes que mulher carrega o mundo nas costas com muita elegância! A vi triste, a vi sofrer... Mas nos olhos ela tinha a certeza de quem era amada, porque construiu o amor, e com a certeza de que aquele sofrimento não era eterno, não era o maior do mundo e era muito pouco diante da capacidade dela de suportar provações. E dessas vezes que a vi sofrer, nunca foi auto piedade, ela sofria pelos outros, pelos irmãos, pelos sobrinhos, pelos amigos... Ela sofria pelos desconhecidos que nunca experimentaram um amor como o nosso...
Viúva, dona Geralda se tornou quitandeira. Parece fácil, parece tarefa de mulher comum, mas dona Geralda nunca foi mulher comum. Plantava a mandioca, cortava a mandioca e fazia a farinha; cortava a lenha pro forno, passava barro nas paredes da casa antes do frio chegar... Costurava as roupas das crianças, e ainda encontrava tempo de enviar cartas bonitas aos mais velhos. Criou os cinco filhos, mas não de uma maneira comum e medíocre, criou provando que mobilidade social existe sim e que não adianta ficar choramingando pelos cantos, é necessário reagir. Hoje em dia eu vejo muitos homens, pseudo-fortes, chorando a desigualdade social, quando não têm nem filhos por quem temer. Eu rio de todos eles, rio porque minha avó não me ensinou a lamentar, me ensinou que da escola rural, no interior do Mato Grosso do Sul, em 1960, foi possível trilhar um caminho pra graduação e pra vida de classe média ou classe média alta; todos os meus tios concluíram curso superior, exceto aquela que nunca gostou de estudar. Minha avó me provou que mobilidade social não é coisa do governo Lula, é coisa antiga, coisa de gente que tem mais do que auto-piedade ou que tem um anjo como ela por perto.
Dona Geralda foi mãe de outros filhos, mãe da vizinhança, mãe dos colegas e amigos de seus filhos... Foi mãe dos genros que mereciam suas filhas. Meu tio, o filho homem, que viu a mãe sofrer na vida ainda pequeno, cumpriu todas as promessas que fez a ela quando jovem. Um dos maiores orgulhos da família, não porque foi mais longe na carreira, mas porque fez a Dona Geralda realizar sonhos que talvez ela mesma desconhecesse e, ainda sendo homem, provou ser capaz de se dedicar aos outros, de se preocupar com os outros e de amar sem nada esperar em troca. Além dele, as filhas, os netos, as netas... Todos eram porto, alegria e orgulho. A única tristeza que dona Geralda não escondia era a saudade dos seus, o medo de perdê-los, de ir antes deles... E assim ela deixou a vida.. Certa de que seus pedacinhos estavam prontos pra continuar sem ela, certa de que precisava descansar, certa de que não agüentaria ver mais um irmão partir, amorosa, cansada, se despediu e foi.. Foi dizendo: quero que vocês lembrem de mim sempre, mas com “saudades sim, tristeza não”.
Ela se foi, mas deixou muito de si, e se faz presente sempre sempre. Deixou quatro mulheres fortes, que espalhadas por três estados são exemplo de vida, de amor, de paciência... São mulheres da minha vida, são mulheres que eu amo. Essas quatro mulheres já fizeram de tudo! Traídas, escravizaram e envergonharam os malfeitores. Agredidas, espancaram os infelizes. Impedidas, derrubaram paredes. Uma namorou quatro (ou mais?) de uma vez, outra nunca teve paciência pra namorar, há ainda aquela que foi mulher de um amor só e, a mais velha, que demonstrou que homem é uma coisa realmente dispensável pra mulher de garra, ainda que você o utilize pra ter uma filha tão forte quanto você. Conquistaram seu espaço, às vezes abdicaram dele, outras vezes demarcaram território e voltaram mais tarde. Hoje, quando uma se torna fraca, alguma das outras três pega a estrada e vai lá demonstrar o que um pedacinho da minha vó é capaz de fazer, que um pedacinho da minha vó nunca está só...
Muito mais pacientes com os homens do que eu sou, também sofreram, também revidaram e vivem com dignidade, com fé, com alegria. Sabem rir da vida, sabem dar conselhos, e até conselhos tortos... Porque sabem que eu sou menina e que talvez seja preciso errar pra me tornar mais mulher... Talvez por ser menina que eu tenha ficado com medo de esquecer minha avó, e tenha tatuado no pé aquilo que nunca vai sair do coração: “saudades sim, tristeza não”. Talvez porque no começo fosse impossível não me sentir triste, tendo a certeza de que o mundo perdeu um ser humano louvável...
Sim, na nossa família existem homens fortes, porque saíram de ventres dignos. Foram educados por mulheres que, assim como minhas amigas, são melhores que muitos homens. Melhores que qualquer infeliz que subestima o sexo dito frágil... Frágeis? Submissas? Tolas? Bem, vá procurar em outra família... Vá procurar em outro círculo social... Perto de mim existem apenas mulheres inteligentes, fortes, determinadas... Quando estão perdidas só se saíram sem rumo, com o intuito de se aventurar, de carro, sozinhas e sem querer saber aonde ir, mas sempre encontram o caminho sem sentir medo durante a busca; porque fraqueza e tolice são coisas de homem; assim como submissão... Quase sempre são submissos a própria ignorância...
Eu não conheço nenhum homem machista que seja melhor do que eu, nem vou conhecer. Machismo não é característica de gente decente, não é qualidade de gente como a minha avó, como os pedacinhos dela, como as minhas amigas, como eu. Desculpe, mas somos gente que vale a pena, somos gente engraçada, gente divertida, gente sonhadora, gente “executadora”... A gente se move sim! E mais rápido que a maioria dos homens! Eu até gostaria ser capaz de mascarar a falta de modéstia, mas tenho conhecido tantos parvos que amo cada vez mais as mulheres da minha vida, bem como os poucos homens que me cativaram e, além disso, me amo cada vez mais.
P.S.: Não sou bi, lésbica, nem simpatizante (mas nem por isso antipatizante), e só explico isso aqui por desconhecer os limites da ignorância masculina.
Como eu já te disse, gosto ainda mais memória da sua avó depois desse post! haha
ResponderExcluirEspero que a gente consigo achar muitas pessoas ainda nessa vida, que valha tanto a pena dividir a vida, como ela e como nós...xD
Eu acho esse cara que falou com sua amiga, que também é minha amiga, uma pessoa tão sem respeito, pq ele deve achar isso até da vó dele, da mãe dele, e concerteza elas não poderiam adivinhar que iria após gerações, nascer um retardado na familia..ahsihisuahiusahiusahisua
xD
Eu acho que lendo o seu texto tive um lampejo do rosto da vó Geralda sorrindo com orgulho de tudo e todos (da família em maior parte) que na terra padecem, das mulheres fortes que fizeram parte da vida dela e da poeta oculta que agora desperta! AMEI o seu texto Norora! Acho que mais alguém além de mim (modesta!) nasceu pro jornalismo ^^
ResponderExcluirBeeijo prima! Te amo!
Quase chorei...
ResponderExcluirIsso naum aconteceu pq sou uma mulher forte..
Adorei o texto Ana, muito lindo mesmo e sua vó devia ser maravilhosa!!!
E o infeliz do texto...é só um homem cheio de si, que na verdade é sempre vazio...
só me resta a dizer que eu até chorei =) e que eu agradeço todos os dias por viver com vocês .
ResponderExcluirTivemos o privilegio de conhecer uma rara manifestação da luz na Terra. Te amo muitissimo!
ResponderExcluirGeralda de Brito II
Realmente, tivemos o previlégio de
ResponderExcluirter como mãe e avó esta ESTRELA DE LUZ,cheia de afeto e amor para todos que conhecia, um ANJO que DEUS nos deu de presente aqui na terra, e ela sabe que JAMAIS será esquecida por qualquer pessoa que teve a sorte de conhece-la.
Obrigada,filha genérica, mas amada como verdadeira,pela homenagem a minha, a nossa querida mãezinha.
Ana,
ResponderExcluirfoi muito bom ler seu texto e conhecer um pouco de duas mulheres exemplares: você sua avó.
Sei como é ter esse tipo de exemplo em casa e sei como isso é significante para você!
Quando a gente vai conhecendo a história da família de uma pessoa, conhece também muito da personalidade dela. E o fato de sua avó ser uma guerreira explica muito a sua personalidade forte, autêntica!
Espero que nós também possamos ser bons exemplos para nossos filhos e netos.
Um beijo.
:)