Minha carta para o Papai-Noel

Querido Papai-Noel,

Meu nome é Ana, tenho 24 anos e nunca acreditei em você. Não me lembro de ouvir meus pais falarem de você, mas lembro que, aos dois anos, vi minha irmã arrancar a sua barba. Lembro de contar pras minhas primas e amigas que eram os pais  que deixavam os presentes e não o papai-noel. Uma vez, inclusive, fiquei vigiando um tio, pra mostrar pras minhas três primas que ele estava escondendo as bicicletas para dizer que eram presente do senhor.

Mas cresci, papai-noel, e cheguei a conclusão de que não é legal desfazer as  crenças das outras pessoas. E há uns dois anos venho colaborando com a sua farsa, com a ajuda  das cartas que as crianças deixam no correio. Lendo aquelas cartas, vi que existem muitas crianças que precisam de pouco pra ter um natal feliz, e que esse pouco eu posso oferecer. E eu estava achando essa coisa toda de colaborar com a sua farsa muito legal, até o dia de hoje, quando fui buscar as cartinhas de 2010.

Papai Noel, você acha que uma menina de três anos pediria uma coleção inteira de barbies? E colocaria seus dados bancários na cartinha? Eu nunca tive uma coleção de barbies... A garotinha quer várias barbies, e aceita receber em dinheiro, mas não cogita a possibilidade de receber uma barbie só. E note como ela é precoce: tem três anos e já tem conta bancária! Eu abri minha primeira conta bancária aos 17! Acho que era mais fácil pro senhor entregar presentes antes do capitalismo, né?

Encontrei também 6 cartas do mesmo endereço, pedindo cestas-básicas. Em cada uma a criança descrevia uma família completamente diferente das famílias das outras cartas. Cada criança tinha um nome, e todos os pais estão desempregados. Pelo que entendi, são 35 pessoas em uma mesma casa.  O pai está desempregado, a mãe está desempregada... e o filho quer cesta básica, mas não quer emprego para os pais.

Uma criança de dois anos, extremamente religiosa, invocou o nome de Deus várias vezes para pedir uma bicicleta. Sua carta vinha em um envelope caro, e deixei-a de lado porque fui seduzida por outras cartinhas que vinham em saquinhos de pipoca.

Sabe Papai-Noel, se eu acreditasse na sua existência, ia pedir pra você levar juízo de presente pros pais dessas crianças, para que eles fiquem envergonhados de usar seus filhos para realizar desejos que na verdade são deles.

Enfim, fiquei com quatro cartinhas mais humildes e menos suspeitas. Infelizmente não posso comprar a bicicleta que uma adolescente pediu para ir para a escola, mas acho que ela está maiorzinha pra lidar com a ausência da presença do senhor neste natal. As outras crianças são menores, ainda não descobriram a crueldade da vida, e querem pequenas coisas... um carrinho de controle remoto, um quebra cabeça, um kit escolar e um brinquedo qualquer.

Desculpe por ter violado tantas correspondências antes de escolher essas quatro, é que nas outras vezes que surrupiei suas cartas não tinha encontrado nada suspeito, e hoje fiquei muito desconfiada. Acho que os brasileiros resolveram aplicar o seu jeitinho em um golpe de natal via correios... Fiquei triste. Não acredito na magia do senhor, caro papai-noel; mas mesmo assim fico entristecida ao saber que tem gente querendo se aproveitar da sua bondade.

Abrassss...

Ana B.