Eu não sei em que
ocasião nem em que local, mas uma vez, há uns doze anos atrás, me
contaram uma história sobre um urubu que fingia que era carneiro, ou
um outro animal que não me lembro qual, porque queria que gostassem
dele. No fim da história, o urubu não conseguia manter o
disfarce... E a história não falava sobre aceitação, no final o
urubu continuava renegado... O sentido, para quem contava, era dizer
que o que era mau não poderia esconder por muito tempo sua natureza,
e devia ser apartado do que era bom. Eu não tenho uma opinião
formada sobre a moral da história, porque não sei se existe algo
totalmente bom, ou algo totalmente mau... Mas eu tenho uma opinião
formada sobre urubus.
Eu me lembro muito bem
da primeira vez que vi um urubu, na verdade vi um bando de urubus. Eu
devia ter uns oito anos, e devido às histórias que se ouve por aí,
achava que os urubus eram bichos feios e nojentos... Até eu ver o
bando de urubus. Em uma cerca, na estrada pra uma fazenda, eles
estavam tomando sol de asas abertas. As pontas das asas brancas...
Achei aquele animal muito bonito, e logo perguntei pros meus pais que
bicho era aquele. Quando me disseram que era um urubu, não entendi
como um bicho tão bonito poderia ser tão mal afamado.
Você pode me dizer que
ele é nojento porque come carniça... Mas eu não me sinto no
direito de julgar os hábitos alimentares dele. Além do que, acho
que ele é muito bonzinho de não tirar a vida de ninguém pra se
alimentar, tomando a decisão de aproveitar aquilo que já está
morto. Glamouriza-se tanto outras aves de rapina, fala-se tanto da
beleza dos gaviões e das águias... E não se fala que em todo esse
esplendor, eles também comem carniça de vez em quando. Pelo menos
é o que tenho visto nas chácaras aqui por perto... A vida não tá
fácil pros gaviões, não existem muitos bichos vivos para serem
caçados.
Todos os dias quando
saio pra trabalhar, primeiro passo pelos gaviões ciscando (sim, eles
também ciscam) nas ruas por onde moro. Depois, chegando ao distrtito
em que trabalho, encontro os urubus, tomando sol em cima dos postes.
A verdade é que simpatizo muito mais com os urubus... Um dia li uma
reportagem falando sobre um condomínio em que os moradores tratavam
um urubu como um animal de estimação, e que ele respondia ao
chamado dos moradores como um cachorrinho. Desde aquele dia, fiquei
com vontade de achar um urubuzinho bonitinho por ae, filhote, e
domesticá-lo. Sim, eu sou má, porque para tanto, desejo que um
urubuzinho fique órfão. Mas esses pensamentos se desfazem no ar,
porque eu não posso ter um urubuzinho, pois meus cachorros o
matariam...
O ponto é: os urubus
são bonitos. E o fato da humanidade denigri-los só acontece porque
estamos acostumados a julgar demais o que os outros comem, seja no
sentido literal, seja no sentido figurado. E eu precisava tornar
isso público, porque até hoje me sinto culpada por não ter
interrompido o contador da história que diminuía o urubu, há uns
doze anos atrás. Afinal, mau é aquele que conta uma história tão
cruel, sobre um bicho que contribui tanto para o equilíbrio
ecológico, e que fica tão lindo de asas abertas, tomando o sol da
manhã.
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